Apresentação
Para quem não me conhece, vou me apresentar, sou Jaiana Rodrigues, mulher negra, baiana, geminiana e mãe do Vicente, carrego comigo muitos sonhos e desejos, conclui minha formação em Direito em 2010, exerço a profissão desde 2012. Sou Massoterapeuta, Doula, Educadora Perinatal e Consultora de Amamentação.
Em 2015 ao descobrir a gravidez, não planejada, teoricamente eu teria dificuldade para engravidar em razão de problemas na tireóide, fui buscar informação se era possível ter um parto normal, o período gestacional era quando eu mais se sentia plena. De leitura em leitura eu descobri que existia uma figura chamada doula, a partir daí iniciou meu lindo percurso no mundo da humanização.
Fui convidada para falar nesse lindo blog sobre o que eu desejasse e de imediato eu senti que deveria deveria sobre a importância da propagação de informação sobre a forma de nascer no Brasil e as violências obstétricas que, na sua maioria, são em pessoas gestantes negras.
Foto por Alê Rocha Fotografia
Violência Obstétrica
Infelizmente ainda temos muitos Obstetras que não se atualizam para apoiar de forma efetiva as mulheres na escolha da via de parto que deseja. Digo isso porque os estudos dizem que a maiorias das pessoas gestantes, de início, desejam ter um parto natural, mas são desencorajadas pelos profissionais.
Parto Natural
O parto era um evento feminino, realizado na casa das famílias e acompanhados por parteiras, onde as mulheres estavam juntas nessa jornada de gerar, parir e maternar.
Na obstetrícia parto significa o conjunto de fenômenos mecânicos e fisiológicos que levam à expulsão do feto e seus anexos do corpo da parturiente.
Toda pessoa gestante deveria ter a consciência de que para parir é preciso conhecer o próprio corpo, entender a natureza do feminino e a natureza do parto. Em razão do dia a dia corrido, houve um distanciamento da natureza e de outras mulheres, e na perda do referencial do que é viver um ciclo. Sim! O corpo é cíclico, assim como a lua e as estações do ano.
A desnaturalização do parto
A desnaturalização do parto começou a existir quando o parto deixou de ser um evento fisiológico para ser um evento medicalizado, passou a ser assistido em ambiente hospitalar, no qual são utilizados todos os procedimentos e intervenções protocolados como “de rotina”.
Entre estes procedimentos estão: a raspagem sistemática dos pelos pubianos (tricotomia), uso da sonda vesical para esvaziar a bexiga, jejum completo de pelo menos seis horas, lavagem intestinal pré-parto (enema), empurrar a barriga (manobra de kristeller) etc.
Apesar de muitas dessas práticas já sejam reconhecidas como desnecessárias ou mesmo prejudiciais pela Organização Mundial de Saúde (OMS), continuam sendo realizadas sem respeitar os direitos e desejos da parturiente, que na maioria das vezes sequer sabem que estão passando por violência.
Violência Obstétrica
O termo Violência Obstétrica não significa que sejam violências cometidas pelo obstetra, mas sim de violências desferidas contra a pessoa gestante na gestação, no parto e no puerpério, eu falo de violências físicas, mentais e emocionais.
O que podemos considerar como violência obstétrica:
- Submeter a pessoa gestante a procedimento predominantemente invasivos, dolorosos, desnecessários ou humilhantes;
- Realizar episiotomia de rotina e suturar sem anestésico;
- Realizar cirurgia cesariana sem recomendação real e clínica, sem estar baseado em evidências científicas;
- Impedir que a mulher seja acompanhada por pessoa de sua preferência durante todo o pré-parto, parto e puerpério.
- Recusar ou retarda o atendimento oportuno e eficaz a pessoa gestante em qualquer fase do ciclo gravídico-puerperal ou em abortamento;
- Ironizar ou censurar a pessoa gestante por comportamentos que externem sua dor física ou psicológica;
- Impedir ou retardar o contato com do bebê com a parturiente, logo após o parto, ou impedir o alojamento conjunto;
- Amarrar as pernas da mulher durante o período expulsivo, mantendo-a em confinamento simbólico;
- Realizar quaisquer outros procedimentos sem a prévia orientação e sem a obtenção de sua permissão;
No meu parto eu não tive sorte com a equipe do plantão e sofri várias violências obstétricas, teve rejeição ao meu plano de parto, ameaça de episiotomia, impedimento de locomoção, posição de litotomia (posição ginecológica), tentativa de aplicação de ocitocina de rotina, puxos dirigidos, cordão umbilical não cortado tardiamente, sutura sem anestesia, protocolo de complemento de leite artificial desnecessário, o que poderia ter atrapalhado a amamentação.
Levei um tempo para elaborar e entender todas as Violências Obstétricas que sofri, não foi fácil! Me questionei muito, pois não havia motivos para tanta violência já que eu cheguei à maternidade parindo. Na triagem as falas da profissional que me avaliou foram “VAI NASCER AQUI!”, “JÁ ESTÁ COROANDO”, “ESTOU VENDO OS CABELINHOS”.
Todas as reflexões me levaram a entender que tudo estava relacionado ao racismo em razão da cor da minha pele, É ISSO MESMO! Vocês já ouviram falar de Racismo Institucional? (Leiam o artigo nas referências bibliográficas). Venho lendo e estudando sobre isso e, a cada leitura, estudo, curso, eu descubro mais violência sofrida.
As mulheres negras possuem mais chances de morrer por causas relacionadas à gravidez, parto ou pós-parto, a mortalidade materna de mulheres negras é cerca de mais de 60% acima da de mulheres brancas.
O Ministério da Saúde reconhece que em 92% dos casos, essas mortes de mulheres são evitáveis, e que o racismo institucional classifica a vida dessas mulheres, escolhe quem irá sobreviver, e reproduz dentro da saúde a desigualdade, algo intolerável, pois qualidade, tratamento humanizado e igualitário nos serviços públicos de saúde são direitos básicos de qualquer cidadão.
Leia novamente esse último parágrafo, consegue compreender o porquê que muitas mulheres têm medo do parto natural, na verdade, elas tem medo é da assistência que vão encontrar, do quanto serão humilhadas e violentadas, muitas, já estão em sua segunda gestação e já teve uma péssima experiência na gestação anterior.
Mas, porque estou aqui falando disso? Porque entendo que é preciso pulverizar informação, precisamos conversar sobre esses temas, principalmente se você teve uma boa assistência no SUS, independente de ter sido para parir, deveria falar mais sobre esse assunto para as pessoas ao seu redor.
Precisamos unir forças para lutarmos contra a violência e a desigualdade, e se o nossos representantes não o fazem, façamos nós um por um, aos poucos, cada um fazendo um pouquinho vira um montão. A sua fala importa, importa muito!
É preciso tocar os profissionais que atendem essas pessoas gestantes, eles precisam entender o que se passa, muitos precisam se reconhecer como negro para compreender o que estamos falando e quem sabe melhorar a postura para atendimento e assim tenhamos um atendimento sociocultural e socioeconômico.
Mas, o objetivo é mostrar para o povo periférico e a classe menos favorecida que é possível parir, que é bom parir, que bebê trabalha junto com corpo para nascer, que o SUS apesar de estar sendo sucateado, ele resiste!
É preciso que a humanidade entenda que a experiência de parir é ancestral, está no nosso DNA, e que os corpos negros são os mais sacrificados desde a época em que fomos escravizados, mas com amor e diálogo é possível transformar essa realidade e construirmos um cenário diferente para os nossos descendentes.
No geral, precisamos de profissionais que estudem e se dediquem a conhecer a fisiologia do parto, que aprendam a prestar uma assistência de qualidade, humanizada, ou seja, que saibam assistir o protagonismo da mulher.
Aprendi que se você levar amor você receberá amor, então por onde quer que ande eu deixo um pouco do meu amor.
Agora, deixo pra você um pouco de amor e as seguintes reflexões: O que você está fazendo para que as atitudes racistas deixem de existir? O quanto você está comprometido para que o povo negro não sofra com as atitudes racistas?
Se você se importa com a minha cor, a sua voz importa! Suas ações importa!
Referências:
Mãe preta, estudo sobre índice de violência obstétrica entre as mulheres negras: https://www.copene2018.eventos.dype.com.br/resources/anais/8/1532453580_ARQUIVO_CopeneMG.pdf
A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2017001305004&lng=en&nrm=iso&tlng=pt